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OBRA APROVADA NO PNLD 2018: UM LIVRO PARA BART

Por: Kátia Chiaradia

 

“Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido.[1]” É assim que Marcel Proust começa o prefácio de sua grande obra. Nunca terminei a leitura de “Em busca do tempo perdido”, mas já li muitas vezes seu prefácio, em especial essas memórias sobre a fruição da leitura na infância.

Quando comecei a ler pela primeira vez “Um livro para Bart”, da alemã Judith Koppens, vi, já na primeira página, uma garotinha muito feliz: era Gabi, parando o cronômetro da vida (como só se consegue na infância) para ler seus livros prediletos. Foi então que esse flash bucólico e terno de Proust me veio à cabeça 2…

“Um livro para Bart” conta a história de Bart, um cãozinho, muito inteligente, que estava impaciente, numa tarde chuvosa, requerendo a atenção de sua tutora e amiga Gabi. Ela, por sua vez, queria prosseguir com a leitura de seu livro. Um impasse nessa amizade!

Gabi, então, começa a explicar a Bart como ler é interessante, mas ele parece não se importar e sai de perto dela. A garotinha bibliófila tem, então, uma ideia: encontrar o livro certo para Bart!

Contudo, assim que Gabi e Bart chegam à biblioteca, descobrem que, por ser um cão, Bart não poderia ingressar no prédio, o que se desdobrou em um novo desafio para Gabi: escolher um livro PARA Bart e não mais COM ele, que apenas passou a observá-la do lado de fora, preso a um poste.

Ou seja, de um impasse na amizade, surgiu um dilema pessoal, pois, para encontrar o melhor livro para seu “amicão”, Gabi precisou se colocar na posição de Bart, pensar como ele e tentar entender como funcionavam seus interesses. Isso é difícil. Aliás, a maioria das coisas que envolvem a figura do “outro” já são potencialmente difíceis. Pra mim, ao menos, são, porque os limites de nosso papel numa amizade dependem da natureza de nossas virtudes, que podem não ser as mesmas do nosso amigo.

Foi Proust também quem disse que a amizade entre um indivíduo e a leitura “é uma amizade desembaraçada de tudo que faz a feiura das outras amizades[3]”. E, na minha leitura-amiga-de-mim, Gabi sabia disso, sentia isso dentro da sinceridade intocada que acampa no coração das crianças, motivo pelo qual ela queria tanto que Bart experimentasse a leitura[4]. Soma-se a isso o indiscutível fato de que a amizade entre crianças e animais é dos mais puros e admiráveis fenômenos da natureza com que esse planeta azul pode nos presentear.

As ilustrações da holandesa Marja Meijer são estilizadas e aproximam-se bastante da proposta visual dos desenhos animados. O que de mais eu gosto no seu estilo de ilustrar são as sutilezas no cenário, um pequeno conjunto de enredos paralelos e correlatos. São cenas comuns, que contam muito sobre Gabi, Bart e a vida em sua cidade: os quadros, os cartazes, a sacola ecológica de Gabi, a disposição dos livros na biblioteca, os personagens secundários, tudo nos mostrando que a vida é um conjunto de vidas que se cruzam e se impactam.

Gabi é vitoriosa em sua empreitada e, ao fim da história, mesmo com o fim da chuva e o sol já despontando, vemos também Bart, sorrindo, com seu livro. A leitura tocou mais um.

 

Código no PNLD Literário 2018: 0980L18602.

Campos de atuação da BNCC- Ensino Fundamental: Campo artístico-literário; 

Campo da vida cotidiana;

Tema transversal dos PCNs: Ética; Pluralidade Cultural;

 

[1] PROUST, Marcel. Sobre a leitura (tradução Carlos Vogt). Campinas: Editora Pontes, 2011. P.09.

[2] Felizmente, minha cabeça não aceita as barreiras que alguns críticos colocam entre literatura infantil e literatura adulta e permite que meu pensamento fale entre ruas que misturam ambas…

[3] PROUST, Marcel. Sobre a leitura (tradução Carlos Vogt). Campinas: Editora Pontes, 2011. P.47.

[4] Se você tiver interesse entre a amizade entre crianças, cães e livros, pode ler um pouco mais aqui https://webcachorros.com.br/caes-ajudam-criancas-aprender-ler/ e aqui https://www.hypeness.com.br/2016/02/abrigo-convida-criancas-a-ler-pra-cachorros-traumatizados-para-ajuda-los-a-interagir-com-humanos/.

 

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